Eleição = Balela
Empreiteiras veem doações como seguro
No início deste ano, ainda naqueles lentos primeiros dias de janeiro, executivo de alto escalão de uma das cinco maiores empreiteiras brasileiras, recebeu a ligação de esbaforido engenheiro. "O prefeito novo vai embargar a obra, tá até falando no rádio que o contrato foi feito de má fé, a coisa está ficando quente por aqui", dizia, assustado, o jovem encarregado pela obra, realizada em uma pequena cidade do interior de São Paulo. Na empreiteira ninguém pensou em questionar se o prefeito estava certo ou errado, em entrar em uma custosa batalha judicial ou ir à imprensa rebater as críticas que recebia. Para uma empresa que tem como seu principal cliente o poder público, o embate é sempre a pior estratégia.
Depois de receber o telefonema de seu engenheiro, o tal executivo seguiu as recomendações de um "modus operandi" em prática há décadas no setor. Pegou um voo para Brasília e lá reuniu-se com o cacique financiado pela empresa e que tem, ao menos em sua base, o partido sob suas rédeas. Explicada a situação em detalhes, voltou no mesmo dia para a capital paulista com a promessa de que em uma semana tudo estaria resolvido. Antes disso, os ataques do novo prefeito cessaram, as promessas de embargo das obras não foram mais ouvidas e tudo seguiu seu curso natural.
"Acionei o seguro e tudo se resolveu", diz o executivo, que por razões mais do que óbvias, prefere o anonimato. O prêmio desse seguro, neste caso, são as importantes somas de dinheiro que sua empresa doa a candidatos e partidos políticos de toda a sorte no país de forma legal e, também, ilegal. "Na maior parte das vezes, o tema doação está ligado a vantagens em contratos, facilidade para vencer licitações, mas não é só para isso que ela serve", conta, entre uma garfada e outra de salmão. "Ela é muito importante para resolver impasses como esse, em que a empresa pode ser prejudicada pelos interesses ou mesmo pela simples convicção equivocada de integrantes de menor importância dos partidos políticos".
O caso relatado por esse executivo com quase 30 anos de experiência em construtoras de grande porte está muito longe de ser exceção em um setor extremamente pulverizado e que tem, basicamente, três clientes: os governos municipais, estaduais e federal. É, na verdade, a regra que rege as relações incestuosas e simbióticas entre o poder público e as milhares de empresas brasileiras que se digladiam em uma guerra constante para conquistar os contratos de infraestrutura do Estado. Assim como é impossível fazer política sem dinheiro, é praticamente impossível também operar para o poder público sem que haja relações um pouco mais do que amistosas com aqueles que estão nas posições de comando.
Por conta disso, são raros os escândalos envolvendo políticos, desvios de recursos e financiamento irregular de campanhas em que uma empreiteira não esteja envolvida. Nos últimos quatro anos elas estiveram presentes em 11 operações da Polícia Federal, seja como protagonistas, a exemplo da Construtora Camargo Corrêa na Castelo de Areia, seja como coadjuvante, como nas dezenas de pequenas empreiteiras pegas fraudando licitações no Pará por meio da Operação Pororoca. Os casos que se repetem há décadas, remontam aos primórdios da formação do Estado nacional.
"É ingenuidade acreditar que as disputas políticas não são econômicas", diz o professor da Universidade de Michigan e da Fundação Getulio Vargas, Carlos Pereira, que vem estudando o processo de financiamento de campanhas no Brasil há mais de 10 anos. "As empreiteiras estão sempre presentes nesses escândalos porque suas fontes de renda são os recursos públicos e, por isso, elas precisam estar perto dos políticos, que por sua vez precisam delas para financiar sua carreira, enfim, tudo se resume ao interesse econômico envolvido na questão", diz ele. "É uma relação simbiótica, que terá mais ou menos ilegalidade de acordo com o poder de fiscalização do Estado".
Entre as mil maiores empresas brasileiras de todos os setores e segmentos de acordo com levantamento feito pelo Valor, mais de 30 delas atuam diretamente na construção de obras públicas. O faturamento da última colocada das empreiteiras entre as mil maiores, a mineira Fidens, superou a casa dos R$ 260 milhões em 2007. O faturamento da primeira, a Construtora Norberto Odebrecht, foi de R$ 2,8 bilhões no mesmo ano.
Essas companhias fazem parte da elite de um setor que conta com algumas milhares de companhias, que movimentam centenas de bilhões de reais ao ano. Apenas em obras previstas no Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, os valores superam os R$ 600 bilhões.
Por outro lado lado, em um país de dimensões continentais com mais de 5,5 mil municípios, 27 Estados e um sistema político extremamente diverso, a necessidade de recursos para eleições bianuais é enorme. "É fácil entender porque as empreiteiras sempre estão na berlinda", diz o executivo que prefere se manter anônimo. "O sistema político está em busca permanente de recursos, as empresas estão em busca permanente de contratos públicos, os interesses comuns nos unem", diz.
Fonte: Jornal Valor Economico - 13/04/2009
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